Se o bom e velho Eugênio Gudin ou o icônico Roberto Campos pudessem dar uma espiadinha no cenário político atual, eles provavelmente soltariam um suspiro longo, desses que antecedem a paciência indo embora, e diriam com ironia fina: “Ah, meus caros, não confundam alhos com bugalhos.” A direita clássica brasileira, aquela que falava de economia de mercado com a precisão de um relojoeiro suíço e a discrição de quem sabe fazer conta, dificilmente reconheceria o bolsonarismo como um de seus filhos. No máximo, como aquele parente distante que aparece no Natal, fala alto, derruba o copo e ainda acha que está dando aula.
E é justamente aí que nasce a confusão conveniente. Jair Bolsonaro jamais foi um homem da direita liberal. Nunca foi formulador, nunca foi institucional, nunca foi liberal. Passou quase trinta anos orbitando o baixo clero do Congresso, vivendo do Estado enquanto o atacava em discurso. Quando finalmente chegou ao poder, vestiu a fantasia de direita como quem compra uma camisa dois números menor. Apertada, desconfortável e claramente emprestada.
Na política externa, o espetáculo foi constrangedor. Onde a direita clássica via diplomacia, Bolsonaro viu palco. Onde via interesse nacional, enxergou briga ideológica. Transformou o Itamaraty numa extensão de rede social, confundiu soberania com grosseria e tratou parceiros estratégicos como adversários de internet. Gudin chamaria de irresponsabilidade. Roberto Campos, de ignorância com orçamento em dólar.
Na economia, a promessa liberal virou quase uma esquete. A direita clássica defendia reformas estruturais com método, redução do Estado, eficiência administrativa e privatizações reais, feitas com critério e planejamento.

Bolsonaro falou em privatizar tudo, mas praticamente não privatizou nada. O Estado seguiu grande, caro e desajeitado, enquanto o presidente acreditava que repetir a palavra liberal em discurso substituía planilha, cálculo e responsabilidade fiscal. A direita clássica era um relógio suíço. Bolsonaro foi um despertador quebrado tocando fora de hora em live semanal.
Nos valores, a farsa ficou ainda mais evidente. A direita tradicional tinha princípios, mas entendia que governar exige silêncio, negociação e maturidade institucional. Bolsonaro transformou valores em espetáculo contínuo. Governou provocando, confundiu conservadorismo com grosseria e política pública com ressentimento pessoal. Onde deveria haver Estado, montou culto. Onde deveria haver método, instalou gritaria.
Há ainda um elemento que a direita clássica jamais aceitaria como método político. O bolsonarismo se alimenta de fake news, pânicos morais fabricados e polêmicas permanentes. Da mamadeira de piroca ao inimigo imaginário da semana, tudo vira combustível emocional. Não há compromisso com a verdade, apenas com engajamento. Onde a direita clássica buscava convencer pelo argumento, o bolsonarismo prefere assustar pelo boato. Informação vira munição, mentira vira estratégia e o grito vira identidade. Nesse cenário, Roberto Campos Neto surge quase como uma ironia involuntária.
Técnico, institucional, previsível e avesso a espetáculo, fez exatamente o oposto de Bolsonaro. Enquanto o presidente atacava instituições principalmente o Banco Central quando contrariado, Campos Neto as blindava. Enquanto Bolsonaro governava por impulso e humor, Campos Neto sustentava decisões impopulares com dados, gráficos e paciência. É a direita que trabalha enquanto o populismo grita e aplaude a si mesmo.
No fim das contas, chamar bolsonarismo de direita é uma gentileza conceitual que ele não merece. A direita clássica brasileira foi liberal na economia, institucional na política e pragmática na gestão do Estado. Bolsonaro foi personalista, emocional e ruidoso. Preferiu o conflito à construção, o palco à política pública e a encenação à entrega.
Bolsonarismo não é direita. É populismo conservador de costumes, liderado por alguém que nunca entendeu nem a direita, nem o Estado, nem o cargo que ocupou. Pode usar o vocabulário, vestir o figurino e posar para foto. Mas falta o essencial. Método, densidade e compromisso com resultados. Como diriam Gudin ou Roberto Campos, agora sem nenhuma paciência restante: “Meus caros, não confundam alhos com bugalhos”



