O cenário da violência de gênero no Brasil em 2025 revela uma face ainda mais cruel do que os números brutos de assassinatos: a “orfandade do feminicídio”. Um levantamento recente do Laboratório de Estudos de Feminicídios da Universidade Estadual de Londrina (UEL) aponta que, em média, quatro crianças ficaram órfãs de mãe por dia no país durante o primeiro semestre deste ano. No total, 683 menores perderam suas genitoras em decorrência do crime de ódio contra o gênero feminino entre janeiro e junho, um período em que foram contabilizadas 950 vítimas fatais.
Na Bahia, estado que historicamente figura entre os índices mais preocupantes de violência letal contra a mulher no Nordeste, o impacto segue a tendência nacional de tragédias domésticas. O estudo da UEL destaca que a maioria desses crimes (39%) ocorre dentro da própria residência da vítima, transformando o que deveria ser um local de proteção em uma cena de crime. Em quase metade dos casos analisados, o agressor possuía um vínculo íntimo com a mulher, sendo parceiro ou ex-companheiro, o que agrava o trauma psicológico das crianças que, muitas vezes, presenciam a violência cometida pelo próprio pai ou padrasto.

Especialistas alertam que as consequências para esses órfãos são profundas e de longo prazo. A perda materna gera rupturas imediatas na rotina, levando muitos desses menores a serem acolhidos por parentes distantes ou encaminhados a abrigos municipais. Sem uma rede de apoio estruturada, essas crianças enfrentam vulnerabilidade social extrema e danos emocionais que podem perdurar por toda a vida.
Como tentativa de mitigar o desamparo financeiro, o governo federal regulamentou em setembro de 2025 a pensão especial para órfãos do feminicídio. O benefício garante até um salário-mínimo mensal para menores de 18 anos em situação de vulnerabilidade. Na Bahia e no restante do país, a regra estabelece que o valor não pode ser acumulado com outros benefícios governamentais e, caso a vítima tenha deixado mais de um filho, a quantia deve ser dividida equitativamente entre eles.
Embora o auxílio financeiro seja um passo importante, as autoridades ressaltam que a política pública precisa ir além. O combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de grupos criminosos (que muitas vezes coagem mulheres em comunidades), aliado a uma rede de acolhimento psicológico na rede pública de saúde, é essencial para que esses órfãos não se tornem estatísticas invisíveis de um ciclo de violência que o Brasil ainda luta para interromper.


