Quando até quem lucra com a saúde decide abandonar o barco, o que resta ao paciente é a certeza de que a precariedade virou política de Estado.
O espetáculo do abandono
Na Bahia, o surrealismo não está nas telas de cinema, mas nas portas de hospital. O Regional Luís Eduardo Magalhães, em Porto Seguro, não foi apenas mal gerido: foi devolvido. O IGH, organização social contratada para administrar a unidade, entregou as chaves ao governo e saiu de cena. Um gesto que mais parece confissão: “não deu, não dá, não vai dar”.
E esse ato, tão constrangedor quanto revelador, virou marca do governo estadual: a saúde transformada em fardo, devolvida como produto com defeito.
O marketing dos milhões
Em discursos, os números brilham.
- R$ 12 milhões para novos leitos.
- R$ 6,8 milhões para reformas.
- R$ 400 milhões em contrato de gestão.
Na propaganda, é a Disney da saúde. Mas nos corredores, o que se encontra é cenário de filme trash: macas improvisadas, insumos faltando, pacientes tratados como figurantes descartáveis. O que se vende em coletiva é ficção; o que se vê na prática é precariedade.
A ironia da devolução
As Organizações Sociais foram criadas sob a promessa de eficiência. Mas quando até a OS decide largar a gestão, o recado é cristalino: o problema não é só quem administra, mas o próprio modelo. O IGH embolsou milhões, cumpriu parte do script, e depois desistiu. O governo, por sua vez, recolheu a carcaça como quem assume um cachorro abandonado — e ainda quis posar de herói.
A marca do governo
Não é exagero dizer que a devolução do hospital é a marca mais honesta do atual governo. Não há slogan que disfarce: em Porto Seguro, o Estado herdou a precariedade como herança oficial. É o fracasso transformado em logomarca.
A herança petista
Essa cena não brotou do nada. É resultado de quase duas décadas de governo do PT na Bahia, em que a saúde sempre orbitou entre o discurso da inclusão e a prática da precarização. Ao longo dos mandatos petistas, o que se viu foi uma sucessão de contratos milionários, anúncios de investimentos e inaugurações festivas — seguidos por estruturas frágeis, serviços capengas e pacientes tratados como estatística.
O hospital devolvido é apenas o símbolo mais visível dessa herança: um sistema que aprendeu a sobreviver no improviso, com o Estado se especializando em fazer marketing da tragédia. O PT transformou a saúde baiana em vitrine política, mas deixou como legado corredores abarrotados, contratos rompidos e a prova cabal de que nem o setor privado aguentou a ilusão da eficiência fabricada.
O riso amargo
No meio disso tudo, resta o paciente. Esperando consulta, cirurgia, um exame. Esperando que a saúde não peça demissão outra vez. Porque no fim, o custo não aparece só nos relatórios contábeis, mas na carne e no osso de quem agoniza na fila.

Promessas x Realidade
Promessas oficiais
- R$ 12 milhões em leitos
- R$ 6,8 milhões em reformas
- R$ 400 milhões em contrato com OS
Realidade
- Corredores superlotados
- Falta de insumos básicos
- Gestão devolvida por desistência
- Rod Pereira
Dramaturgo, estrategista de marketing, membro da Academia de Letras de Porto Seguro, cronista e provocador de ideias. “Meu texto é farpa e abraço, caos e poesia.Sempre com uma boa dose de ironia e humanidade”.