A Polícia Federal (PF) usou dados de registros de celulares e de entrada e saída do Palácio do Alvorada, residência oficial do presidente da República, na investigação sobre uma minuta de decreto que previa a prisão de Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e a convocação de novas eleições após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) na disputa de 2022.
As informações constam de um documento da investigação obtido pelo blog.
A existência da minuta foi revelada à PF pelo tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro ao longo de todo o mandato, em delação premiada homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Registros da movimentação no Alvorada e dados de Estações Rádio Base (ERB) permitiram à corporação corroborar o relato de Cid e obter mais detalhes sobre participantes das discussões sobre a minuta do decreto e as formas como eles se comunicaram.
A partir dessas informações – e de dados descobertos no celular de Mauro Cid – , a PF afirma que Bolsonaro sabia da existência da minuta, pediu e fez ajustes no teor dela e a apresentou a militares também investigados por tentativa de golpe de Estado para manter o agora ex-presidente ilegalmente no poder.
Segundo a PF, a cronologia foi a seguinte
“É hoje o que ele fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto, né? Aqueles considerandos que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais, é, resumido, né?”, afirmou Cid ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, segundo os dados do Exército, em 9 de dezembro.
O decreto não chegou a ser publicado. A PF, agora, considera prioridade ouvir Freire Gomes para confirmar a cronologia da minuta golpista.
19 de novembro: minuta é apresentada ao Bolsonaro
Em reunião no 19 de novembro de 2022, 20 dias após o 2º turno da eleição que deu vitória a Lula (PT) Bolsonaro recebeu no Palácio do Alvorada o assessor da presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, o advogado Amauri Saad e o padre José Eduardo de Oliveira e Silva.
Os nomes dos três aparecem nos registros de controle e de saída do Palácio do Alvorada e os dados de seus celulares, no histórico das Estação Rádio Base (ERB) da região do imóvel.
Os dados de controle de entrada e de saída do Alvorada indicam que Martins entrou pelo portão principal às 14h59, no mesmo horário que o padre José Eduardo. Mauro Cid estava no Alvorada desde as 8h34 da manhã.
Nesse encontro, foi apresentada ao ex-presidente a minuta de decreto que, segundo a investigação da PF, detalhava diversos “fundamentos dos atos a serem implementados” em razão do que os apoiadores do presidente consideravam interferência do Judiciário no Poder Executivo.
A minuta pedia a prisão dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O documento também previa a realização de novas eleições.
Cid disse em delação à PF que, nesse encontro, Bolsonaro teria determinado a Martins alguns ajustes na minuta deste decreto, permanecendo apenas a prisão de Moraes e a realização de novas eleições.
7 de dezembro: minuta com ajustes é apresentada a militares
Filipe Martins retornou ao Palácio do Alvorada em 7 de dezembro com a minuta ajustada a pedido de Bolsonaro. Neste encontro, segundo a PF, o ex-presidente aprovou as alterações. A nova versão excluía as prisões de Gilmar Mendes e Rodrigo Pacheco, mas mantinha a de Alexandre de Moraes, além da ordem de realização de novas eleições.
No mesmo dia, Bolsonaro pediu uma reunião para apresentar a minuta do decreto ao general Freire Gomes, comandante do Exército, ao almirante Garnier Santos, comandante da Marinha, e ao ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira.
No encontro, Filipe Martins apresentou ponto a ponto as informações da minuta, segundo a PF.
Há registros no controle de entrada e de saída de Freire Gomes, Garnier e Nogueira no Alvorada em 7 de dezembro. O então ministro da Defesa chegou às 8h25 da manhã, enquanto o general e o almirante chegaram às 8h34. Filipe Martins chegou neste mesmo horário.
O nome de Saad não aparece no registro deste dia, mas a PF afirma que conseguiu identificar que o celular do advogado aparece na ERB que abrange o Palácio do Alvorada no mesmo período em que Martins, Garnier, Freire Gomes e Nogueira estiveram na residência oficial. Segundo a PF, tal fato indica que o advogado possa ter entrado no Palácio do Alvorada sem ter sido registrado.
Neste 7 de dezembro, os registros de entrada e de saída do Alvorada ainda mostram, também as seguintes visitas:
- Tércio Arnaud: ex-assessor de Bolsonaro, considerado um dos pilares do chamado “gabinete do ódio” – Ele entrou às 7h26 e saio às 20h49, ou seja, esteve no horário em que se tratou sobre a minuta;
- Sergio Rocha Cordeiro: ex-assessor de Bolsonaro que cedia seu imóvel funcional em Brasília para o ex-presidente fazer lives. Ele chegou ao Alvorada às 7h20. Não há registro de saída para este dia.
9 de dezembro: Bolsonaro enxuga pontos do decreto e apresenta a general que ofereceu tropas
Em 9 de dezembro, a investigação afirma que Bolsonaro fez alguns ajustes na minuta do decreto para enxugar pontos do texto.
Nesse dia, Bolsnaro se reuniu no Palácio da Alvorada com o general Theophilo Gaspar de Oliveira, então comandante de Operações Terrestres e que, segundo a PF, estava disposto a cumprir as determinações relacionadas ao golpe de Estado se Bolsonaro assinasse o decreto. Dados encaminhados pelo GSI comprovam a presença do general no Palácio do Alvorada, chegando às 18h25 e saindo às 19h18.
Cid ficou entre 9h45 e 20h23 no Alvorada nesse dia. Dentro desse período, ele mandou uma mensagem ao comandante do Exército, Freire Gomes, pelo aplicativo de comunicação UNA, usado pelo Exército.
“O presidente tem recebido várias pressões para tomar uma medida mais pesada onde ele vai, obviamente, utilizando as forças, né?”, disse Cid. “E hoje o que ele fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto, né? Aqueles considerandos que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito
Cid contou no áudio analisado pela PF que Bolsonaro, após enxugar a minuta de golpe de Estado, iria falar com o general Theophilo, dando a entender que a adesão do comandante era um dos elementos essenciais para o êxito do plano que estava em andamento.
O comandante tinha sob sua administração o maior contingente de tropas do Exército, além das unidades de Forças Especiais e Operacionais que, de acordo com o plano traçado, seriam utilizadas para executar ações sensíveis, como a prisão do ministro do STF Alexandre de Moraes.
“E o que ele comentou de falar com o general Theophilo. Na verdade, ele quer conversar”. Por fim, Cid adverte Freire Gomes que se a “força não incendiar, o status quo mantem aí como o que está previsto, que estava sendo feito (…)”, aponta os áudios obtidos pela PF.
No mesmo dia, Bolsonaro falou com apoiadores na frente do Alvorada depois de semanas de silêncio após perder as eleições presidenciais e falou sobre a necessidade do apoio dos seus apoiadores para “decidir para onde as Forças Armadas vão”.
“E hoje estão vivendo um momento crucial, uma encruzilhada, um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês”
A investigação da PF afirma que o discurso nesse dia foi feito para “manter a esperança dos manifestantes de que o então Presidente da República, juntamente com as Forças Armadas iriam tomar uma atitude para reverter o resultado das eleições presidenciais, para atender o “apelo popular”, fato que efetivamente estava em curso naquele momento”.
O que diz Bolsonaro
Após a operação da Polícia Federal realizada no dia 8 de fevereiro, que teve como alvo militares e ex-ministros de seu governo, a defesa do ex-presidente disse que Jair Bolsonaro “jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam”.
Os advogados também comentaram sobre um outro documento de cunho golpista encontrado no gabinete do ex-presidente, no PL, e que é diferente do decreto discutido no Alvorada. Segundo a defesa, esse outro documento havia sido impresso para que ele “pudesse tomar conhecimento” de materiais mencionados na investigação da Polícia Federal.
“O ex-presidente — desconhecendo o conteúdo de tais minutas — solicitou ao seu advogado criminalista, Dr. Paulo Amador da Cunha Bueno, que as encaminhasse em seu aplicativo de mensagens, para que pudesse tomar conhecimento do material dos referidos arquivos”
“A impressão provavelmente permaneceu no local da diligência de busca e apreensão havida na data de hoje, que alcançou inclusive o gabinete do ex-presidente, razão porque lá foi apreendido”, acrescentaram.
Em nota, a defesa também criticou a medida, determinada por Alexandre de Moraes, que apreendeu o passaporte do ex-presidente. Segundo eles, a determinação foi “absolutamente desnecessária”.
Fonte: G1